segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Os Mitos e seus Tipos

O grande questionamento quanto à origem da vida e do universo (e de tudo o mais de que não se tem a explicação), presente na psique humana desde a antiguidade (mesmo que de modo pouco desenvolvido), é o grande motor cultural que faz surgir o mito. Como uma narrativa transmitida ao longo do tempo através da fala (pois a escrita só chegou muito depois das primeiras criações mitológicas), o mito foi carregando elementos das diversas culturas e mentalidades pelas quais foi transmitido. Sendo assim, a mitologia foi, cada vez mais, impregnada com as mais diversas tentativas de justificar o desconhecido; surgiram os mitos sobre a criação do mundo (Cosmogonia), sobre a origem dos deuses ou forças que o regem (Teogonia) e sobre a origem da morte e o que viria após o fim de tudo (Escatologia), além de outros – sempre tentando achar a resposta para o que parece impossível ou sobrenatural.

Mitos Cosmogônicos
Geralmente, os mitos mais importantes numa cultura, e que se tornam modelos para os demais mitos, são os que tratam da origem do mundo e da vida, um grande questionamento da humanidade.
Em alguns contos, como na primeira parte do Livro do Gênesis, a criação do mundo se dá a partir do nada (creatio ex nihilo). Também os mitos egípcios, australianos, gregos e maias falam de uma força criadora pré-existente (geralmente atemporal, surgida de si própria, retratada como o Oceano, o Caos ou a Terra), que gera a vida por si só. Na cosmogonia chinesa, por exemplo, de Pan Gu surgem as duas forças universais do Yin e Yang, das quais forma-se todos os elementos. No hinduísmo, o Rig-Veda fala do nada original, onde o Grande Espírito criador, o Brahm Eterno(Espírito Eterno, Brahman, Brahma ou Deus), cria todas as coisas com o calor de sua respiração cósmica. Outras cosmogonias também apresentam a origem do cosmo como fruto de emanações divinas, como a partir do suor, do sêmen ou do sangue de um deus.
Nesses mitos, a deidade é quase sempre onipotente. No decorrer da narrativa mitológica, essa deidade pode permanecer como vanguarda e tornar-se o centro da vida religiosa (como ocorre com os Hebreus), ou pode retirar-se, tornando-se uma deidade distante, periférica (como nos mitos de gregos, maias ou de aborígines australianos).
Em outros mitos cosmogônicos, a criação é descrita como o emergir de mundos inferiores. Para os índios Zuni (da América do Norte), os Navajos e os Hopis, a criação resulta da ascensão progressiva de mundos subterrâneos, e o surgimento do último mundo é a progressão final no mundo da humanidade. Um mito polinésio apresenta as várias camadas do surgimento do mundo numa casca de coco. De modo análogo, surgiram os mitos do Ovo primevo (de onde nasce todo o universo), conhecidos na África, China, Índia, Grécia, Japão, e no sul do pacífico. Nesse mitos, a criação é simbolizada pela ruptura do ovo da fertilidade. O ovo é a possibilidade para toda a vida, e em alguns casos, como nos mitos do povo Dogon (da África Ocidental), é referido como “a placenta do mundo”.
Há também o mito do mundo proveniente de uma união de duas forças personificadas (“os pais” do universo). Na história da criação babilônica, o Enuma Elish, o casal divino Apsu e Tiamat têm de enfrentar sua própria descendência, por quem são derrotados. Com o corpo de Tiamat (a deusa mãe, personificação do mar), Marduk (deus protetor da Babilônia) constrói o universo; e com o sangue de Kingu (outro deus rebelde que fora vencido), ele cria os homens. Em mitos egípcios e polinésios de temática semelhante, os “pais do mundo” tiveram sua descendência, mas permaneceram firmemente unidos; a descendência, presa na escuridão, busca a luz. Assim, dá-se uma violenta separação do casal primordial, gerando-se a luz e o espaço que permitirá o surgimento da vida.
Sendo a água o elemento primordial mais freqüente nas cosmogonias, é dela que, em mitos difundidos na Romênia e na Índia, emerge a terra, trazida à tona por um espírito ou animal.
Para muitos mitos cosmogônicos, o ato do sacrifício tem grande valor. Na mitologia babilônica, é do corpo esquartejado de Tiamat que surge a terra, e nos Vedas hindus, Prajapati (o homem primordial, senhor dos seres) é sacrificado para que dele surjam o mundo e todas as formas de vida. Há também os mitos que descrevem o surgimento da humanidade partir de uma rocha ou de alguma árvore de importância cultural.

Mitos Escatológicos
Relacionados com os mitos cosmogônicos, mas de temática oposta, estão os mitos do fim do mundo (escatológicos) e da morte dos que nele vivem. Como a morte era apresentada na mitologia como algo estranho ao plano da criação, os mitos que versavam sobre sua origem traziam (de modo geral) três tipos diferentes de justificativa para seu surgimento. Em alguns mitos, fala-se de um tempo anterior em que se desconhecia a morte, uma era que foi interrompida por um acidente ou um erro cometido por alguém (instituindo-se a morte como castigo), ou mesmo para evitar a superpopulação. Outros mitos, geralmente de tradições culturais mais elaboradas, trazem a idéia de que, antes de surgir a morte, o homem era imortal e vivia no paraíso. A perda de sua imortalidade e sua expulsão do paraíso seriam punições aplicadas especificamente à humanidade, devido a alguma ofensa que esta praticara ao(s) seu(s) deus(es). No Gênesis, a morte sobreveio à humanidade quando esta desejou ultrapassar seus limites de conhecimento. Há também, em alguns mitos, a associação da morte como parte de um ciclo vital (análogo ao dos vegetais), tal como o nascimento e a sexualidade e perpetuação da vida. Esse era um pensamento possivelmente surgido de antigas comunidades agrícolas.
O mito escatológico pressupõe a criação do universo como obra de uma divindade que, como defensora da pureza da existência, haverá de destruir sua obra para dar lugar a uma outra, nova e melhorada. Enquanto este fim não chega, a humanidade é observada, julgada e preparada para uma existência posterior a seu fim, que pode ser paradisíaca ou de tormentos eternos, a depender de sua conduta nesta vida. Tais mitos podem ser vistos entre os ensinamentos dos hebreus, cristãos, mulçumanos e seguidores do zoroastrismo. Zoroastro (século VI a.C.) falou de Chinvat, uma ponte a ser atravessada após a morte, que permitia a passagem dos justos, mas estreitava-se aos malfeitores, fazendo-os cair no inferno. O zoroastrismo posterior elaborou a idéia de punição ou salvação, de ressurreição e de purificação final dos pecadores.
Na mitologia egípcia, a idéia desse julgamento pós-vida teve grande importância. Segundo suas lendas, o coração do morto era colocado num dos pratos de uma balança - no outro, colocava-se uma pena do deus Maat (simbolizando o que há de justo e verdadeiro) -, assim, Osíris julgava se o morto seria absolvido ou condenado. Na mitologia grega, segundo Homero, a morte representava a desintegração do corpo, permanecendo um espectro, que era levado ao Hades para ser julgado e condenado a vagar eternamente pelas sombras infernais. Mas no próprio pensamento mítico grego haviam outras correntes: os mistérios de Elêusis (referentes à deusa Deméter e sua filha Perséfone, símbolos da vida que renasce na primavera) prometiam aos seguidores a felicidade numa existência pós-morte; e o orfismo (referente a Orfeu, o primeiro mortal a descer ao Hades e retornar ao mundo superior), bem como a filosofia platônica, trazia a idéia da reencarnação (possivelmente oriunda do pensamento oriental).
O fim de toda a existência conhecida é retratado nos mitos escatológicos como conseqüência de um conflito em escala universal ou uma batalha final entre os deuses (situações típicas da mitologia Indo-européia, e muito presentes em seus ramos germânicos). Na mitologia Asteca, vários mundos são criados e destruídos pelos deuses até o surgimento do mundo habitado pelos homens. Há mitos que falam de uma grande devastação na terra ocasionada por uma inundação - não num futuro fim dos tempos, mas que já teria acontecido. A exemplo disso, há o famoso episódio do Antigo Testamento bíblico, em que Deus teria enviado como castigo à humanidade um dilúvio, do qual apenas seus eleitos foram salvos (não são raras as culturas em que se fala de um salvador que, antes da destruição final, surge para resgatar aqueles escolhidos para participar da futura reconstrução da existência). Quase todas as culturas pré-colombianas possuem mitos a respeito de dilúvios – temática que remonta aos antigos mitos mesopotâmicos.

Mitos Teogônicos
Nas várias mitologias, é comum a associação de acontecimentos como a morte ou fenômenos naturais a divindades reguladoras do universo. E, refletindo a estrutura das sociedades antigas, estas divindades possuíam distinções de poder entre si. E nessa hierarquia, geralmente preponderava um casal ou uma trindade divina.
Com o passar do tempo, esse poder podia mudar de mãos - tal como ocorria com os povos antigos (não eram raros os casos em que um povo, ao ser atacado e vencido por outro, tinha sua cultura e modo de vida modificados pelos novos dominadores). São freqüentes os mitos que falam de deuses que, tendo outrora governado (ou mesmo criado) a existência, são depostos por novos deuses (até mesmo seus descendentes); caracterizando uma freqüente disputa de poder, que não se dava somente entre deuses, mas entre diversas raças que, ao se julgarem suficientemente poderosas, tentavam tomar o poder universal.
Sendo toda a dinâmica da vida, bem como seus misteriosos ou inexplicáveis eventos (que não eram poucos à época dos “criadores” dos mitos), geralmente atribuídos aos desígnios de uma força divina, é comum às crenças antigas a formulação de mitos para explicar o surgimento de tais forças ou deuses. Assim, surgiram os mitos teogônicos (Teogonia vem das palavras gregas théos e gonia, significando “as coisas divinas, os seres divinos”, ou seja, os deuses).
Como uma das maiores referências desse gênero mitológico, temos a Teogonia, do poeta Hesíodo, do século VIII a.C. Na mitologia grega, Zeus (nome proveniente de dyeus pater, “o pai do céu” - da cultura proto-indo-européia, raiz de grande parte do que forma a cultura européia atual) é apresentado como o “pai dos deuses e dos homens”; não que ele os tivesse criado, mas que era o senhor supremo destes. Zeus conquistara seu poder ao derrotar o próprio pai, Cronos. Este, por sua vez, tornara-se o senhor do universo do mesmo modo, tomando o lugar de seu pai Urano, filho e esposo de Gaia (a Terra, que com Urano gerou Cronos e os demais titãs da raça dos uranianos - os primeiros controladores das forças universais -, além de outros seres de grande poder).
Havia uma freqüente tendência das mitologias européias a representar a soberania dividida em três funções divinas: um “soberano-sacerdote”, um “guerreiro” e um “cultivador-fecundardor”. Na mitologia escandinava, Odin, Thor e Freyr representavam estes papéis, respectivamente. Odin, senhor do Valhala (a grandiosa morada dos bravos heróis mortos em combate), era o soberano do cosmos. Thor, semelhante ao Indra védico ou o Ukko finlandês, era o deus guerreiro e senhor do trovão. A ele cabia a proteção da lei e da ordem em Midgard (a “terra do meio”, morada dos homens). Freyr, por sua vez, era o deus que regia o Sol, a chuva, os frutos e a fertilidade humana (sendo retratado com um gigantesco falo). No hinduísmo, há também uma divisão do poder cósmico entre três divindades: os deuses Brahma (o criador), Vishnu (o conservador) e Shiva (o destruidor), formando a Trimurti. Apesar dessa divisão nominal, para a crença hindu, todos os deuses citados em seus mitos são meramente manifestações do poder único que rege o cosmos, geralmente personificado em Brahman (Brahma, Brahm, Atman ou “O Grande Espírito”, o Absoluto). Brahma, como apenas criador do universo, não possui uma grande atuação nas narrações míticas. Vishnu, responsável por manter a ordem da criação, freqüentemente interfere nos problemas da terra, através de seus avataras (encarnações), sendo o mais conhecido deles o de Krishna (o grande transmissor dos ensinamentos trazidos no clássico Bhagavad Gita). Shiva é o deus encarregado de (ao fim de tudo) destruir toda a existência e guiar as almas de todos os seres ao reencontro com o Grande Espírito, seu lugar de origem.

Outros tipos de Mito
Além destes três principais gêneros míticos, há também outras classificações que podem ser referidas, como os mitos que descrevem como uma determinada cultura evoluiu com a descoberta de novas técnicas ou artefatos. A exemplo disso, temos o mito grego de Prometeu (apresentado na Teogonia de Hesíodo), que rouba o fogo divino para dá-lo aos homens. Estes, ao dominar o fogo, garantiram sua superioridade em relação aos demais seres. Na cultura Dogon, o ferreiro que rouba para a humanidade as sementes do silo dos deuses assemelha-se a Prometeu.
Há também os mitos que falam da fundação de grandes cidades e reinos (por seu grande poder ou exuberância, considerava-se que estes grandes reinos só poderiam ter surgido por milagre ou obra de um grande herói). Um exemplo é o mito de Rômulo e Remo, os irmãos gêmeos que teriam fundado Roma. Também há referências quanto à cidade de Lisboa, que antes teria sido Ulissipo, fundada por Ulisses (Odisseu, para os gregos) em certo momento de suas viagens (relatadas na Odisséia, de Homero).


Bibliografia:
Enciclopédia Barsa,
Encarta 96 Encyclopedia (versão em inglês)
Do Olimpo a Camelot, de David Leeming.

Extraído do Site Templo do Conhecimento - por Rafael Brito

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...