quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Quem é o amigo de Deus no Tarô? - Por Cristina Guedes


 

Quem é o amigo de Deus no Tarô?
 
Cristina Guedes
 
 
    Muitos imaginam que o sentido maior do Arcano O Louco do Tarô é a sua articulação entre sabedoria, santidade e ardorosa iluminação. De fato, em O Louco todos são inteiros e todos são santos, mas isso é apenas uma indicação inicial do seu florescimento.

Muitos ainda iludem-se e confundem-se pela sua natureza laboriosa do desfrute, cujo olhar para o mundo liga-o do princípio ao fim de toda jornada dos Trunfos. Aquele momento fugaz de criações e forças que nunca param, aquela vitória espiritual num poder colossal e irrevogável.
Mas o grande talento do Louco do Tarô está na sua renúncia de que tudo é
apenas aparência de realidade.
Às vezes, no seu estágio mais avançado, igualmente denominado Loucura ou alienação da realidade, ele também representa a desestrutura equivalente à sua
ilimitada liberdade.
Talvez uma iluminação do alto, mas sem nenhum plano aparente, O Louco nos pergunta quem cria o mundo e por que ele nos parece existir. 
    Bem no início de meus estudos sobre Tarô, sempre me chamou atenção o seu modo de ser instintual, suas roupas coloridas de bufão, seu cajado de todo o saber, seus olhos de fogo e até sua estrada solitária que me faziam entender as diversas exortações daquele menino-homem andarilho.
Sempre encontrei em O Louco um redespertar de uma antiga compaixão, uma beleza arquetípica sem metas fixas, mas que ao mesmo tempo nunca perdia o seu caminho de volta para a casa maior. 
Seu ímpeto é o olhar da imagem refletida nele mesmo, porque no seu inconsciente O Louco não possui identificação com regras e nem modelos familiares.
Sem pudor e apenas num ritmo alarmante, ele busca as coisas estocadas de sua memória, vai até o fundo da gaveta para tentar sobrepor à sua imagem estranha vista num
 
O Louco, The Fool no Kim Waters Tarot
O Louco no tarô de Kim Waters
www.kimwatersart.net
 
espelho de silêncio e dor.

Superando esse seu anseio sagrado ele consegue promover um ingrediente importante em todas as suas relações, a identificação e o reconhecimento do belo.
O Louco sabe que é feio o que não pode ser refletido em seu espelho e esse é o seu maior trabalho.

    O ponto crucial dessa reflexão ao nosso próspero Louco é saber que precisamos continuar a vida, porém precisamos também de uma certa extravagância e que não seja apenas provocar o caos, mas a revolução entre o interior e o exterior.

Assim sendo, descubro que esse arquétipo vai muito além do que já se tentou escrever sobre ele. Lembro-me de Jung que ao explicar sobre a loucura descobriu que ela não é uma imperfeição, mas um instrumento criado pelo homem para observar e explicar sua angústia interna.

São muitas as nossas limitações humanas e alguma coisa dentro de nós acontece e continuará acontecendo para que possamos ver claramente e melhor a nossa sombra para depois iluminá-la.

Para os antigos Terapeutas, a maior parte de nós foge desse poder de cura. Realmente, encontrar razões físicas e psicológicas para decifrar as doenças mentais e sociais do mundo significa tentar unificar e restaurar a inteireza do homem.

Afinal todos vivemos muito modelados em nosso próprio livro de causas e efeitos, mas O Louco quer fazer uma anmnese de si, quer sua inteireza, mas quer também nossa sincera gratidão.  

 
Epístola aos Filipenses
    Convido-os, portanto, a ler meditativamente a Epístola aos Filipenses, onde encontrei um contexto de abertura e onde buscaremos agora aprofundar para obter uma nova introvisão desse arquétipo O Louco.

Assim, encontro Paulo confessando o seu dilema de vigor imortal, reavivando a memória do que aconteceu com o nosso corpo.

Um corpo que deseja partir para poder “estar com Cristo”.

Um corpo que subiu e que também desceu, um corpo que não perdeu a elasticidade e a dança da criança, um corpo que requer tempo e muita atenção.

A epístola de Paulo exorta um sentimento de “amor” e “compaixão” que unifique esse descentramento, ou medo, que temos de agir por “humildade” dentro de nosso corpo. Trata-se, afinal, de observarmos com muita atenção esses  versículos  não-convencionais  e saber
 
Ícone na Mount Angel Abbey - St. Benedict - Oregons
São Paulo e Jesus
Ícone dawww.mountangelabbey.org
 
que vale a pena nosso olhar: “Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente.
Mas esvaziou-se a si mesmo  e assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana. 
E, achado em figura de homem, humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz!
Por isso Deus o sobreexaltou grandemente e o agraciou com o Nome que é sobre todo o nome, para que, ao nome de Jesus, se dobre todo joelho dos seres celestes, dos terrestres e dos que vivem sob a terra, e, para glória de Deus, o Pai, toda língua confesse: 
Jesus é o Senhor” (Filipenses, 2, 6-11)
    Uma manifestação belíssima com o potencial absoluto representado aqui, pois estamos diante de uma linda articulação e o discurso de Paulo se realiza numa íntima memória entre dois motivos primordiais, o auto-esvaziamento e a sobreexaltação, que do ponto de vista psicológico representa a razão estranha de andar entre dois mundos, o  mundano aspecto
da mortalidade e o subjetivo mundo que desempenha a imortalidade divina. Na lógica paulina, Deus é a razão divina, o modelo supremode perfeição e santidade redentora, bem como o acesso à sua soberania do potencial universal.

É nessa jornada de individuação que Jesus completamente renuncia a tudo o que se é e a tudo o que se tem, ou seja, aí está o absoluto despojamento de si, mesmo no seu ser e mesmo no seu ter ele expressa uma fala profunda.

    Renúncia e despojamento vorazes e determinantes para o mundo limitado em que todos vivemos porque, sendo de tudo o que se é e que se tem, quem inicia esse modo de autoconhecimento total é não menos o Cristo Jesus, isto é, aquele que é e possui tudo, daquele que, sendo “igual a Deus”, se desapega e abdica da sua excelente plenitude nakénosis pela qual se torna homem comum, se humilha como “servo” e se mortifica na mais dolorosa das mortes, a da cruz, como nos mostra a epístola.

    Todavia, o destino de Jesus é um sofrimento real, é uma confirmação por divina sanção de seu corpo totalmente entregue, num ato perfeito de não apegar-se nunca à perfeição própria do seu Ser.

Assim, ser “filho” e ser “pai”, simbolicamente ser consumado e consumido pelo próprio “Pai”.

Jesus representa o homem movido unicamente pelo amor redentor, força, energia e benção, em que o divino irrompe o acesso ao absoluto, sua natureza é como a do Louco despadronizado que também se torna bem-aventurado em seus instrumentos de abdicação.

É claro, a doação plena, o sacrifício absoluto e a gratuidade excessiva do amor no qual poucos conhecem e experimentam em vida.

Esse divino e insuperável auto-despojamento também está na natureza pura do nosso arcano O Louco.
Há esta relação, esta ressonância, longa ação e longa contemplação. 

    E quem em nossa sociedade se faz inocente e justo ao mesmo tempo se não for Louco?
Quem se oferece como vítima sacrificial pelos erros humanos se não for Louco?
Quem padece e redime o mal alheio em um mundo que despreza tantos sujeitos se não for Louco?
Quem sente todas as enfermidades escondidas no doente social que somos se não for Louco?
Quem em si liberta e assume a dor do outro se não for Louco?
    Esse é o nosso arquétipo inocente e forte, único e sério, verdadeiro e perpétuo, sem cessar.
O mais poderoso de todos os arcanos e não duvidem, pois ele é o que se ‘mistura” para não mais se misturar entre os outros, o que sem “casa” possui a maior de todas as casas.
Irreversível, ele suspende toda temporalidade na atualidade instante do que não aprendemos a ser humildes ainda.
Entre os tantos outros passos desse arcano de compreensão, encontrei na leitura dessa epístola o que pude designar como um Deus às avessas, que na Cruz transgride, inverte e anula a sua plenitude em mortificação, ou que na Cruz transmite, inverte e anula a sua comum representação como absoluta e omnipotente transcendência.
Jesus se torna um altar, mas ainda uma oferenda, um elo entre a terra e o céu, um plano interno por excelência; e não se trata de passividade, de submissão ao que acontece em sua volta, mas sim de aquiescer seu
 
O Louco, Fool no Tarot de Franquin Hergé Moebius
O Louco, Tarô de Franquin Hergé Moebius
www.champaka.be
 
momento voluntário.

Aquele que pensa sobre sua dor é aquele que é maior que ela.
Jesus é aquele que pensa e seu maior sofrimento é saber-se impermanente para esse mundo real.
No seu corpo, amou muito e nem mesmo a morte pôde tê-lo.

Assim são todos os Loucos do amor.
Amar e se dar sem esperar nada em troca e saber que naquela hora não há um outro ser além do ser.

    Sim, a exortação de Paulo nos diz:
“Sejamos Loucos por amor de Cristo”.

Porque a loucura da Cruz, antes de ser a loucura dos cristãos e do cristianismo, é antes de tudo a loucura de um Deus que se entrega não só à morte mas, no contexto daquele mundo antigo, à mais cruel e escandalosa das mortes.

Quantos seres que na história de lutas dessa humanidade já assumiram o destino de homens sediciosos e culpados de alta traição?
Foram eles criminosos, bandidos, escravos, santos ou Loucos?

Mas no contexto da simbólica do Tarô será que estamos estudando os princípios desse arquétipo em nós ou vemos ele apenas no talismã de precipitações, prazeres, erros, aventuras, nulidades ou indecisões de nossos consulentes?
 
Renúncias
    Para um profundo entendimento deste arcano em nós precisamos de um mínimo de renúncias, precisamos pelo menos deixar de sermos seres tão domésticos e amestrados e perguntar:

Quais são os nossos maiores excessos de perfeição?  Qual é a nossa via de libertação?
Qual é a nossa maior inadaptabilidade?
E quanto realmente buscamos ser feliz e usamos dessa única liberdade humana?
E quais foram os momentos mais poderosos de nossas vidas que deixamos passar? 


    É em virtude de todas essas acentuadas perguntas que O Louco nos chama para incarnar na terra por amor e considerarmos todos os seres como iguais e superiores a nós mesmos e isso tudo por compaixão da dor de estarmos todos no mundo.

Neste excesso expiatório e redentor devemos recordar ainda que na epístola de Paulo há uma questão metafísica fundamental, a da razão de haver um Ser que se integra com a possibilidade e o sentido da própria criação, a qual, por outra via, nos conduz ainda ao nosso tema de reflexão.

Quanto de nós ama apenas os seres que são por nós escolhidos?
Quais são os que nos causam medo de amar?
Somos capazes de amar o que nos desagrada? 

    Toda dificuldade humana e todo interesse humano está na ciência do amor, mas estamos muito presos ainda, desorientados e covardes com toda essa falsa segurança da mediocridade.

E se não for o amor que nos move, quem nos moverá? Cristo colocou um corpo sobre nosso coração, um corpo sobre a nossa consciência, um corpo sobre a nossa morte! 

    Posso agora formular uma pergunta do seguinte modo: em Deus, a única condição para que haja alguma coisa para ser é antes ser nada?
O que de si já é o Pleno opera para que o outro de si seja também Pleno?
É possível admitirmos que Deus em sua originalidade real e livremente assumida, admita também que o homem seja uma totalidade de seu absoluto de ser amor?
Mas e se pensarmos que se fora do qual não há nada, como poderíamos constituirmos enquanto seres de si distintos e de si procedentes do amor?
    Metafisicamente anterior ao sacrifício redentor, haveria assim um sacrifício que torna o mundo possível em amor?
E Deus permite que não haja apenas Deus, é auto-renúncia, auto-esvaziamento ou auto-ocultamento na criação?
Deus devolve o criado ao incriado?
E as criaturas na decriação estão amorosamente satisfeitas com tormentos e doenças ou estão habitadas por uma potência de auto-transgressão?

Ao meu ver o homem vive um eterno vazio de ser e essência.
Não compreende ou não consegue alcançar filosoficamente esse espaço absoluto em si e que a tudo torna possível e onde tudo se torna possível.

Como seria de esperar, o homem é auto-constituído nessa radical matriz de auto-constituição universal.
Ele joga em um mundo que lhe abarca os modos de Deus e de todos os seres.
O quanto há de um Deus que feito homem, sendo tudo, se faz nada, para que em si tudo seja possível?
É aí que reside o seu Louco, como um Deus que o cria como um nada por excelência? 

    E tudo é a questão de saber se somos esse nada neo-platônico.
A fixação de nos encerrarmos numa cruz é a pena de nossas dramáticas renúncias e é o que desenha em nós uma abissal liberdade da nossa busca por “imagens” e “semelhanças”.



São Francisco, o Louco, no Tarô dos Santos de Robert Place
São Francisco, o Louco
Tarô dos Santos, Robert Place
 
Jesus é realmente para Paulo o seu Deus, um Deus que ficará só, mas se morrer, produzirá muitos frutos.
O servo não é maior que seu mestre e nem o mestre é maior que seu servo. 

    Novamente, seja como for, O Louco é uma meditação para a Tarologia aprofundada aqui.
É o não sendo e sendo, é o esvaziamento do vazio, é o deixar de ser para ser;
e Paulo metafisicamente unifica loucura, essa sabedoria e essa santidade.

Seria inteligência mundana ou último recurso espiritual de Paulo por aqueles que se perdem do caminho?
Será que o mundo em que vivemos não reconheceu a Deus na sabedoria de Deus?
Na linguagem do Evangelho; pregação, salvação e redenção concordam entre si?
O quê para um  judeu é escândalo e para os gentios é loucura?
Um Deus morto na Cruz designa “loucura” ou “fraqueza”?
Que Deus escolhe o que é “Loucura” e que Deus escolhe o que é “sanidade”?
O que é forte, o que é vil, o que é desprezado em nós?

Assim, o que não é para reduzir o nada que somos?
O que é saber, poder e prestígio nesse nosso mundo?
O que socialmente desconsideramos e mantemos à distância? 

    E, como demonstrou a epístola de Paulo, a qual, é compreensível apenas pelos “perfeitos” e pelo “homem espiritual”, mas é “loucura” para o “homem psíquico” e carnal (2, 5-16; 3, 1-2).

E o que é mais significativo aos participantes desse mundo tão sedento por lógica e tão escasso de sabedoria?

Exercícios e muitos reconhecimentos, aventuras e paradoxos, enquanto não tivermos juízo instintual, O Louco prevalecerá em pleno fulgor de sua mítico-ritual ordenação.

Para escândalo de muitos e ao avesso do que se tem por normal, O Louco assim como o Cristo em sua alteridade por ter sido um dia coroado como rei burlesco, um dia entrado em Jerusalém montado num “burrinho”, um dia nascido numa manjedoura entre uma vaca e um burro, um dia condenado por uma multidão que preferiu libertar um bandido.

O Cristo foi tomado por uma força maior que ele e se ele se submeteu é porque assim o desejou.

Sabemos, mas nem sempre sabemos o que sabemos. Cristo sabe. O Louco sabe. Isso é um choque ou uma revelação? 

    Nesse agir nada fazendo, nesse ter sem ser, nesse ganhar perdendo, onde estamos que não vemos os açoites decretados pelos governos cheios de Pilatos desse mundo?

Prevemos realmente ou asseguramos o imponderável desconhecido desses  “sinais”?
O sujeito que buscar a sua posse mental estará livre em seus limites sem antes no indizível dissolver o abrir e o assimilar de um nova semelhança para o Homem? 

Deus tornou louca a sabedoria ou o homem habitual só consegue alcançar sua alienação?
No arrepio dessa epístola há um ser que transcende, transgride e subverte todas as excelências, todos os deuses, todos os hábitos, preguiças, perfeições e acomodações dos homens mornos (Apocalipse, 3, 16).

É o excesso que rompe e não cabe a história do saber em Cristo. É a natureza do existente centrada no que é. É o despertar.

 
Os temores e comportamento
    Nos véus dos religiosos, no medo dos moralistas e na perfeição dos socialmente corretos muitos temem O Louco para a egoidade da infância em que habitam muito seres fingidores de segurança. 

Todavia, na iridescência do Louco nós fazemos muitos vasos de barro, porque do toque do Louco ninguém se recupera.

Sendo livre ele extravasa esse cruciforme centro tensional entre a resistente horizontalidade da “justiça” de um mundo melhor e a vertical incarnação de um Reino maior que a nada julga, mas que transfigura, redime e reabsorve a tudo sem se pertencer.

Rompendo tudo e todas as coisas, ele acaba com as aparências de riqueza intelectual, fortuna, prazer, poder, honras, prestígio e independência.

Para O Louco aflitos serão consolados, famintos serão saciados, perseguidos serão justificados, sedentos terão água para beber.

Sua posse é certa, mas bem diferente, porque seu presente é seu futuro, sua beatitude é sua vacuidade.

 
O Louco, fonte não identificada.
O Louco
Fonte não identificada
 
    Decididamente escandaloso O Louco possui o comportamento excêntrico de todo profeta singular e extremo.
Ele espera sua nova vida, a despeito das suas nádegas descobertas e do seu cachorro mascote, numa mesma conversão de profeta, pois seu imperativo divino não é reter, mas mover-se livremente entre dois mundos, o pequenino e o grandioso.
Num mundo invertido como o nosso as nádegas descobertas são a insensatez da impiedade, talvez o arauto de verdades rejeitadas como dementes.
Um tolo, um Louco, um bobo, um idiota é, para muitos, uma representação de inferioridade chocante ou selvagem, mas O Louco humilha o sábio e arrasa o prudente segundo o seu mundo de despojamento.
Ele é um auto-retrato irônico de si mesmo, porque ele convive com a verdade abissal das coisas. 

    Jovem sem metas, amante descuidado do todo ou pessoa que não vai a lugar nenhum, O Louco, num divino alerta de seu elegante “seja feita a sua vontade” nos ensina a purificar um fator em nós, guiando com prazer nossas oposições dualistas comprometidas apenas com a gestão da inautenticidade social e política em que todos vivem.
Espetáculo de surpresas para as nossas costas bem reservadas, contraste e desobediência só aos olhos do mundo, numa conduta de mortificação de toda a preocupação consigo e com o mundo, O Louco resulta em escândalo geral da vontade própria.
Burlar o mundo, regressar a casa de
seu pai, ligar-se num intenso ardor espiritual, O Louco é capaz de tudo isso realizar até à hora da morte.
Como um monge herbívoro de algum deserto desconhecido, ele tem todo pique de fazer por todos e ser tudo para salvar a todos.

Citando São Paulo - “Que ninguém busque o seu próprio interesse, mas o alheio” (1ª Coríntios, 10, 24)

    Permanecendo oculto do mundo, a fim de evitar a “glória dos homens”, O Louco convive com os possessos a quem cura, amando-os, sem qualquer honra fúnebre ou litúrgica, salmodia maravilhas e ancora energias angélicas, e quando, abrem a sua sepultura, a fim de lhe darem um funeral de valor, não encontram nenhum corpo, celestial, dando saltos mortais com o paradoxo, um além no aquém, mas um frescor, de repente, num pano tão ausente de um corpo crucificado em seus odores longínquos de alma.

Posto que naquele pano se sabia que habitou um dia o eco de um corpo ocupado pelos espíritos de humanos. 

    Finalmente, antes de realizar a vontade criada e o desejo da eternidade, passemos o Ser antes de se ser, tratemos do não saber nada e de toda a transitiva vontade de alteridade e visitando o que se quer ser, aprendemos aqui que a plenitude do ser é puro aprofundamento, é  fenomenalizar como Deus.

Portanto, há que se viver ignorando mesmo que se vive sem para quê, não reconhecendo nem sentindo o que se sente e vive em si, nesse absoluto despojamento do saber e da consciência em que reemergimos melhor e ainda querendo o que se é.

Cristo, sua pele, seu corpo, sua era, sua palavra, seu sangue rolam na pedra de tantos caminhos. Como O Louco, o seu ego e o seu eu desligam-se das nossas convicções mais estimadas e mais seguras.

E curando tudo isso em nós, ele nos devolve um psiquismo apaziguado, um psiquismo mais sereno em um plano interno de celebração pela vida.

Mas é preciso que haja esse reencontro de equilíbrio. Um equilíbrio de extraordinária fulguração que resgata e retira as perturbações de nossas mentes. 

    Então que exceda em nós, mesmo nesse mundo, o ser livre de tudo, de Deus e de si num não constituir sequer um lugar onde se possa operar mais positivamente na vida, de modo que não operemos senão em si mesmo o positivo.

Ganhando, perdendo e aprendendo a jogar na imortalidade, remontamos uma Tarologia de enraizamento na vida, numa rota mais clara, volvida numa tradição que bem evoque não só as figuras dos Loucos divinos mas agora, também, a dos pura e simplesmente Loucos reais ou libertários de todos os tempos.

O Louco assim se despede como a mais divina transgressão do divino, inclui seu puro disparate, sua maior transcendência do transcendente, a trans-religiosa transgressão do que se diz religioso e que nele encontramos um pleno seio da Presença e um ato inocente de uma criança que não foi poupada do amor.

Que a sacralidade de ser desse Louco traduza uma nova vida de risos em nossos consulentes e leitores. 

    Quando, por porventura estou aqui perante uma dessas manifestações da verdade, estou sem reservas com os arquétipos do Tarô, procuro e encontro as infinitas possibilidades de uma mística da vivência para o plano da existência e meu mundo inteiro tece uma nova realidade.

Deixo de ser, por instantes, apenas uma observadora situada na Terra e passo ao encontro de uma experiência visionária e transformadora. 

    Lembremo-nos, estar de bem com o nosso Louco é estarmos desenvolvendo a imagem do nosso sagrado, numa intimidade sem fim e numa amizade que muda o nosso tempo interno.

O mais veloz de todo tempo, pois é o tempo que esvoaça e inspira, que provoca e inicia, mas sem jamais romper a ordem crescente de nossos merecimentos.

Nessa experiência mística estaremos pressentindo uma voz forte, uma voz que valoriza a grandeza que espera sair de dentro de cada um de nós, uma voz maravilhada continuamente pela felicidade de retornar ao amor.

Agora você recebeu uma dádiva: você compreende que você é e compreender é saber  se considerar como a mais alta criação da Mente Divina.
 
novembro.08
Contato com a autora:
Cristina Guedes www.facebook.com/cristinasguedes 
Outros trabalhos seus no Clube do TarôAutores
 
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